As imagens de policiais lançando bombas de gás lacrimogêneo e
atirando balas de borracha contra manifestantes durante os protestos que
ocuparam as ruas de todo o Brasil no último mês trouxeram de volta para
a pauta de discussões um assunto desconhecido para a maioria das
pessoas: a desmilitarização da polícia brasileira.
Defendida por especialistas e por conselho da Organização das Nações
Unidas (ONU), a proposta acaba com o modelo adotado pelo país, que
separa o policiamento ostensivo do investigativo, unificando suas ações
em uma única entidade, de natureza civil.
Tal mudança não significa que a polícia será pacífica e desarmada,
incapaz de enfrentar situações de risco, segundo o professor de direito
penal Túlio Vianna, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “É
mais uma questão de mentalidade, treinamento e cultura do que de deixar
de usar a força quando ela se fizer necessária”, explica, reforçando o
argumento de que a estrutura, a hierarquia e a formação da Polícia
Militar distanciam a corporação do cidadão.
O especialista esclarece que, desmilitarizando, haveria a mudança de
alguns pontos fundamentais. O policiamento ostensivo e preventivo
passaria a ser realizado também pela Polícia Civil. “É muito mais
efetivo, prático e barato. Gastamos uma grande soma de dinheiro para
manter uma máquina que é redundante”, defende Vianna.
Hierarquia
Além disso, ainda haveria mudanças na hierarquia. Os policiais de
cargos – e não mais patentes – mais baixos seriam subordinados somente a
seu chefe direto, ao contrário do que ocorre hoje. E podendo executar
tanto funções de patrulhamento como de investigação, “o policial teria
uma possibilidade de carreira mais inteligente”, afirma.
A reformulação também chegaria à formação dos agentes de segurança.
“O resquício cruel da ditadura militar treina os policiais para o
combate e, não, para proteger o cidadão. Ele é treinado para eliminar o
criminoso”, explica o professor. Com a desmilitarização, o foco da
polícia seria a cidadania e os direitos civis, favorecendo abordagens
mais humanas. Por fim, seria extinta a Justiça Militar.
Cautela
Nesse processo, entretanto, é preciso ter cautela. O professor
Roberto Kant de Lima, do Departamento de Segurança Pública da
Universidade Federal Fluminense (UFF), alerta que somente a
desmilitarização não é suficiente. “A polícia, de uma maneira geral, tem
um comportamento ostensivo. Ela atua somente quando os conflitos se
tornam policiáveis, e o trabalho de administração de conflitos é deixado
de lado”, explica.
Para ele, deve-se ter o cuidado de não deixar de lado outro fator de
muita violência e desigualdade, que é o treinamento da Polícia Civil
brasileira, e recomenda que se pense conjuntamente. “Tem que haver uma
transformação na missão, na ideologia da polícia”, defende.
PECs da desmilitarização no Brasil
Existem no Brasil duas Propostas de Emenda Constitucional (PEC) em
tramitação que propõem ou possibilitam a desmilitarização da polícia.
PEC 432/2009 – A proposta, em tramitação na
Câmara dos Deputados, visa à unificação das polícias Civil e Militar dos
Estados e do Distrito Federal, além da desmilitarização do Corpo de
Bombeiros. O documento também pretende dar outras funções para as
Guardas Municipais.
PEC 102/2011 – Permite que cada Estado opte por
unificar suas polícias em uma única corporação civil, que terá funções
de polícia judiciária, apuração de infrações, polícia ostensiva,
administrativa e preservação da ordem pública. A PEC está em tramitação
no Senado.
Fonte: O Tempo (Minas Gerais)
0 comentários:
Postar um comentário