Para movimentos e organizações de direitos humanos de São
Paulo, desmilitarizar a Polícia Militar (PM), desvinculando-a do
Exército e da idéia de combate contra um inimigo interno, é um dos
passos mais importantes na luta contra a violência policial e estatal.
Essa é uma das principais reivindicações da Rede Dois de Outubro, que
prepara uma série de atos para a semana de 2 de outubro, que marca os 20
anos do massacre do Carandiru, ocorrido em 1992. Naquele dia, 111
presos foram assassinados pela Tropa de Choque da PM. Até hoje ninguém
foi responsabilizado pelas mortes.
De acordo com o parágrafo 6º do artigo 144 da Constituição Federal,
as polícias militares são forças auxiliares e reserva do Exército. Para
os movimentos, essa definição retrata um cenário que precisa ser
discutido, modificado e superado. A história republicana brasileira, que
teve os militares como um de seus principais agentes políticos, mais a
recente ditadura (1964-1985), que trouxe a Doutrina de Segurança
Nacional, aparentemente nunca abandonada, estão entre os apontamentos
das organizações como componente histórico do comportamento violento das
polícias brasileiras.
Para Danilo Dara, membro do movimento Mães de Maio, organização de
familiares de vítimas da violência policial e estatal, a proposta de
desmilitarização busca um modelo de polícia não repressiva, que seja
cidadã e comunitária, procurando progressivamente desmilitarizar e
desarmar a sociedade como um todo. “Nós defendemos um modelo de polícia
que, em primeiro lugar, não seja baseado nessa concepção repressiva. Que
seja formada e controlada a partir das comunidades onde atuam, servindo
aos interesses de prevenção e auto-defesa única e exclusivamente dessas
comunidades”, diz.
Dara afirma que não existe justificativa para a convivência da
sociedade com uma polícia pensada como um aparato repressivo para
combater, prender e matar inimigos internos. Em 29 de julho deste ano,
as Mães de Maio começaram a recolher assinaturas para uma petição
pública exigindo a desmilitarização das polícias militares de todo o
Brasil.
O coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo André Vianna, ao
discordar da proposta de desmilitarização, aponta um imaginário ligado à
memória da ditadura militar como motivo de questionamento dos
movimentos sociais. “O ideal é que se suprima de vez a expressão
'militar' das instituições. Porque, senão, virão argumentos como estes,
que são equivocados. O policial que age hoje não tem inimigo. O que
ocorre é que muitas pessoas de organizações dessa natureza pensam que
ainda estão trabalhando com uma polícia dos anos 1960, 1970, que agiam
instrumentalizadas naquele momento, mas que hoje são outra instituição”,
diz.
No entanto, os documentos de duas entidades internacionais,
publicados no primeiro semestre deste ano, corroboram a preocupação das
organizações de direitos humanos. O relatório do Grupo de Trabalho sobre
o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, do Conselho de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), usou a definição
“esquadrões da morte” para se referir à polícia brasileira e sugeriu sua
extinção. Já o relatório de direitos humanos da Anistia Internacional
referente a 2011 destacou que os agentes da lei continuam a praticar
torturas e execuções extrajudiciais no Brasil.
Para o advogado da Pastoral Carcerária, Rodolfo Valente, a
importância da desmilitarização está sobretudo na questão de acabar com a
situação de guerra existente entre o Estado e as populações pobres. “É
preciso desmantelar essa lógica de guerra que orienta as ações da
polícia, principalmente quando se trata das populações de periferia”,
diz. Para Valente, essa concepção, aliada à falta de controle externo
por parte da sociedade, contribui para os abusos no cumprimento das
funções policiais e, consequentemente, para a impunidade. “Os crimes
cometidos por esses agentes do Estado são investigados e julgados por
Tribunais Militares, que é uma justiça corporativa, sem o acompanhamento
da sociedade”, conclui.
Fonte: Rede Brasil Atual
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