Há hoje no Brasil, um consenso quanto à necessidade de se promover
mudanças substantivas no nosso atual sistema de segurança pública. Os
políticos, independente de suas orientações político-partidárias, assim
como os segmentos civis organizados, os formadores de opinião, os
cidadãos comuns e os próprios profissionais de polícia são unânimes em
reconhecer a imperiosa necessidade de se adequar o sistema policial
brasileiro às exigências do Estado democrático de direito.
O modelo de polícia adotado pelo Brasil é o modelo de ciclo incompleto,
esse modelo tem com característica a existência de duas policias
distintas e com atribuições diferentes, uma faz o trabalho ostensivo
(policia militar) e a outra as investigações (policia civil). Esse
modelo só existe no Brasil e em poucos países pobres do continente
africano. Além disso, o Brasil é o único país que tem uma policia
militarizada que realiza policiamento de natureza civil.
Nos últimos anos tem sido constante as criticas ao modelo de polícia
adotado no Brasil, diversos projetos de emenda a constituição foram
apresentados no congresso nacional versando sobre a reestruturação das
policias estaduais, os próprios policiais defendem a ideia da
desmilitarização e a criação de uma policia unificada com atividades de
natureza civil e ciclo completo. Segundo Fernandes (2009), uma pesquisa
realizada com 64 mil policiais de todo o Brasil pelo Ministério da
Justiça e PNUD mostra que 35% dos profissionais defendem a unificação
das polícias civil e militar formando uma única polícia estadual não
militarizada, 20% defendem a permanência do atual modelo e 45% defendem
outros modelos de polícia.
A demonstração clara de descontentamento dos profissionais de segurança
pública com o atual modelo de polícia não é em vão, existem razões
suficientes para opiniões deste tipo. Os policiais, principalmente os
militares, passam por humilhações e torturas durante sua formação
profissional. De acordo com a pesquisa citada 20% dos profissionais
entrevistados disseram já ter sido torturado durante sua formação. Além
disso, os estatutos dos policiais militares não condizem com a realidade
democrática do nosso país, a maioria dos estatutos é uma cópia do
regulamento das forças armadas e trazem em suas páginas inúmeros artigos
que vão de encontro às garantias constitucionais.
Para se ter uma ideia, um policial militar pode ser preso apenas por
estar com o uniforme amassado ou com o coturno sujo. Se quiser se casar
ou viajar precisa pedir autorização ao seu comandante, além disso, os
militares também não podem fazer greve, formar sindicatos nem ser donos
ou sócios de empresas, além de outras regras absurdos e
inconstitucionais que existem nos regulamentos dos militares. Os
estatutos das polícias militares não passaram por nenhuma revisão depois
da constituição de 1988, ou seja, ainda permanecem com o texto da época
da ditadura.
Outro grave problema que aflige os policiais diz respeito à carga
horária, os policiais trabalham 24 horas sem parar por 48 horas de
folga, se levarmos em conta que um cidadão trabalha 8 horas diárias,
podemos dizer que um dia de serviço de um policial corresponde a três
dias de serviço de um trabalhador comum. Enquanto um trabalhador tem uma
carga horária de 48 horas semanais, a do policial é de 72 horas
semanais. Além disso, em certas épocas festivas a escala é apertada pra
24 horas de serviço por 24 horas de folga, e na maioria das vezes o
policial não recebe nenhum centavo a mais por essas horas extras. As
condições de trabalho destes profissionais são as piores possíveis, o
grau de estresse é muito elevado. Segundo Fernandes (2009) 19% dos
policiais afirmaram ter sido vitimas de violência em serviço e 42%
revelaram ter sido vitima de ameaça de morte por parte de bandidos.
Some-se a isso a falta de equipamentos adequados, baixos salários e
falta de assistência para os profissionais.
Segundo a mesma revista a baixa produtividade da polícia vem, ainda, da
falta de treinamento. Pouco mais de 3% dos agentes de segurança tiveram
mais de um ano de aprendizagem em cursos. A formação dos policiais tem
muito mais ênfase no confronto do que na investigação: 92% deles têm
aulas de condicionamento físico, 85,6% aprendem a atirar e apenas 33%
fazem técnicas de investigação, enquanto só 39% estudam mediação de
conflito. Não se sabe o que é mais espantoso: que 15% de nossos
policiais estejam nas ruas armados sem ter feito curso de tiro ou se
apenas um em cada três deles saiba investigar.
Não bastasse tudo isso, os policiais são vitimas também do preconceito
da própria sociedade. Que em parte ocorre por causa de casos de
corrupção de alguns policiais. A pesquisa divulgada pela revista época
revelou que entre os oficiais da polícia militar 41,3% disseram que
fingiriam não ter visto um colega recebendo propina. Já entre os praças,
o porcentual cai para 21,6%. Chama a atenção o número dos superiores
que ainda tentariam se beneficiar da propina: 5,1% dos delegados e 2,8%
dos oficiais da PM disseram que pediriam sua parte também, em comparação
a 3,7% dos policiais civis e 2,1% dos praças. Paradoxalmente, 78,4% dos
policiais consideram muito importante combater a corrupção para
melhorar a segurança no país.
São números que explicam por que a polícia é tão estigmatizada pela
sociedade: 61,1% dos agentes dizem que já foram discriminados por causa
de sua profissão. Tanta carga negativa faz com que policiais até
escondam sua vida profissional.
Por ultimo, cabe ainda destacar o caso da ingerência política, que
muitas vezes prejudica fortemente o trabalho da polícia. É comum em
pequenas cidades do interior casos de políticos que chegam até a invadir
delegacias para libertar presos que são seus aliados. Quando o policial
prende alguém que cometeu um crime, e faz os procedimentos corretos,
muitas vezes é transferido para outra cidade muito distante de onde
reside, isso faz com que em cidades do interior a polícia fique impedida
de cumprir seu papel e se sujeitando aos interesses políticos de
determinados grupos.
Para Muniz (2001) a valorização dos profissionais de segurança pública é
importante por que é através das polícias que os princípios que
estruturam a vida democrática são enraizados no nosso cotidiano. As
polícias contemporâneas tornaram-se extremamente permeáveis e sensíveis
às constantes transformações do mercado da cidadania. Seu lugar na
sustentação do Estado de direito é direto e executivo. Até porque, os
efeitos positivos e negativos de sua ação ou de sua inação são
imediatamente sentidos pela população.
O investimento da qualificação e reforma das polícias é fundamental,
promover a valorização, estimulando seu comprometimento com o trabalho
preventivo, com os direitos humanos, apoiando sua presença interativa e
dialógica nas comunidades, e, na esfera municipal, solicitando seu apoio
permanente. Para que intervenções preventivas logrem êxito,
frequentemente têm de ser acompanhadas por iniciativas policiais que
garantam, por exemplo, a liberação dos territórios, quando eventualmente
estiverem sob domínio de grupos armados.
Desta forma pode-se dizer que é necessário promover mudanças estruturais
e conjunturais nos órgãos policiais, para que a segurança pública no
Brasil possa alcançar a eficiência e eficácia demandada pela sociedade.
Fonte: Cabo Heronides
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