Por Danilo Ferreira via Abordagem Policial
Todas as polícias brasileiras fazem parte do grupo de instituições
públicas com o funcionalismo organizado em carreira, o que significa que
todos os policiais possuem – em tese – a perspectiva de galgar postos,
graduações ou classes que garantam uma evolução financeira e funcional à
medida que seu tempo de serviço aumenta. Diferentemente do mero
“emprego”, onde o trabalhador geralmente se mantém visando apenas
algumas necessidades imediatas de sobrevivência, a carreira privilegia a
convivência do servidor com a organização a que pertence, dado o
horizonte de crescimento do indivíduo no interior da instituição.
O problema é que, em algumas polícias brasileiras, esta diferenciação
entre carreira e emprego parece não mais existir, dado que, desde o
início de suas trajetórias, muitos profissionais já vislumbram certo
“engarrafamento” que lhe impedirá a progressão funcional. Geralmente por
descumprimento do que manda a lei e por excesso de considerações
políticas, sem falar na sanha de “corte de gastos” que geralmente
acomete o Estado (sempre do “lado mais fraco”), promoções deixam de
ocorrer, com efeitos tenebrosos para as corporações policiais:
A monotonia da função
Embora muitas pessoas passem anos a fio com a mesma rotina no seu
dia-a-dia, dificilmente se dirá que alguém com este perfil consegue ser
inovador, dinâmico e versátil no que faz. A falta de perspectiva de
crescimento funcional garante ao policial o estereótipo do que ficou
definido pelo imaginário popular como “funcionário público”: um
burocrata repetitivo, receoso de mudanças e inovações, imerso na
monotonia de suas práticas, conhecidas e mantidas há muito tempo.
O sentimento de injustiça
Quando está na lei que o policial irá ser promovido em dada altura de
sua carreira, e esta promoção não ocorre, consolida-se aí uma
frustração, que gera o sentimento de injustiça, que por sua vez será
convertido em desmotivação e prejuízo ao serviço prestado. É parte
essencial do ser humano projetar o futuro, e não há aquele que
desconsidera uma possibilidade de ascensão profissional quando vem
preenchendo todos os requisitos para este movimento.
O descompasso institucional
Se um policial com a função “B” é responsável pela fiscalização do
policial com a função “C”, e de repente aquele primeiro é promovido
enquanto o “C” permanece no mesmo grau, mesmo preenchendo os requisitos
para a promoção, a tendência é que as engrenagens da corporação policial
comecem a se desgastar. Este tipo de desarmonia afeta fortemente os
mecanismos de controle e gestão de qualquer administração.
As recompensas desviantes
Muitas vezes, visando compensar a falta de promoção, que se bem
aplicada garante dignidade profissional a uma categoria, expedientes
informais são adotados, principalmente em se tratando de nomeações e
exonerações em cargos comissionados ou mesmo de direcionamento a funções
menos “desgastantes”. É como se a corporação vivesse se desculpando por
suas falhas aos policiais que, pouco reconhecidos conforme prevê a lei,
acabam se agarrando a benesses passageiras e instáveis, distribuídas a
partir de critérios duvidosos.
O desapego
Existe um sentimento de “posse” que é fundamental ao bom
relacionamento entre o profissional e a organização em que trabalha. Não
se trata da mesma posse que rege as relações da propriedade privada,
mas aquela que garante certo cuidado do servidor público com a estrutura
e os serviços sob sua responsabilidade. Ao perceber que está sendo
preterido por motivos ilegítimos, a tendência é que o profissional
abdique deste sentimento de intimidade e identidade com o que é público.
Neste contexto, onde o profissional é tratado como empregado, e não
como funcionário de carreira, cobra-se o empenho e a dedicação
proporcional a este último status, ao tempo em que se critica
aqueles que mantêm uma relação proporcionalmente indiferente com sua
corporação. Sem justificar desvios de conduta nem omissões, é de se
questionar por que os profissionais, individualmente, são os
responsáveis por compensar distorções orgânicas e estratégicas das
instituições a que servem…
Danillo Ferreira é Tenente da Polícia Militar da Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em Filosofia pela UEFS-BA.
0 comentários:
Postar um comentário