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A convite da vereadora Fernanda
Melchionna (P-Sol), Soares esteve na semana passada na Câmara Municipal de
Porto Alegre, onde palestrou diante de um plenário lotado principalmente por
estudantes e jovens ativistas. Respaldado pelas experiências compartilhadas por
policiais militares que o ajudaram em alguns de seus trabalhos, e também por
seu trabalho como gestor (foi coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do
estado do Rio de Janeiro e secretário nacional de Segurança Pública), o
cientista não poupou críticas ao modelo atual de polícia.
“Cartesianamente, só haveria um motivo
pelo qual a Polícia Militar deveria se organizar à imagem e semelhança do
Exército: se as metas fossem as mesmas. E isso não é verdade. Segundo a
Constituição, cumpre ao Exército defender a soberania e o território nacionais,
recorrendo a procedimentos bélicos caso seja necessário. Já a Polícia Militar
(PM), segundo a mesma Constituição, defende os cidadãos da eventual violação
dos seus direitos. Quando se diz que ela deve zelar pelo cumprimento da lei,
entende-se que deve zelar pela defesa da cidadania, impedindo eventuais
violações. Isso nada tem a ver com defender a soberania nacional por meios
bélicos”, argumenta.
Aos que defendem que é dever da polícia
manter a ordem e estar “pronta para o confronto”, Soares rebate: “Alguém pode
dizer que há também situações quase bélicas, de enfrentamento armado. Esses
casos correspondem a menos de 1% das atividades policiais usuais. E você não
vai organizar uma instituição baseada em menos de 1% das suas atribuições. Pode
haver unidades especiais com esse propósito, mas em 99% das situações deve-se
proceder conforme as normas previstas para essa organização”.
PEC 51 tem grande
aceitação entre as bases
Desmilitarizar a polícia é apenas um passo, admite
Luiz Eduardo Soares. “É suficiente? Não. Mas é preciso começar por aí”, afirma
o antropólogo, que defende a aprovação da PEC 51, de autoria do senador
Lindbergh Farias (PT-RJ), a qual ajudou a elaborar. Além da desmilitarização, a
proposta prevê a unificação de todas as polícias em uma estrutura chamada de
“ciclo único”, ostensivo e investigativo, e também as carreiras dos servidores.
“A PEC conta com amplo apoio quando falamos das
bases – me refiro aos subalternos, aos não oficiais. Nesse segmento, uma
pesquisa detectou que 70% deles são a favor da proposta”, diz Soares. “Entre os
oficiais e delegados, há os que concordam conosco, mas a situação é um pouco
mais delicada”, revela, alegando que os militares “não têm liberdade para se
mobilizar”. “Não há sindicatos, apenas associações. Quem participa de uma
eventual negociação é o comandante-geral. A estrutura atual barra a atuação de
representantes sindicais”, resume, citando o caso de um militar que acabou exonerado
por propor mudanças na corporação.
Soares acredita que reestruturar o trabalho da
polícia também pode ser um grande estímulo para os servidores. “Com o modelo
que temos hoje, o sujeito inicia a carreira e, se tudo der certo, daqui a 25
anos vai ser sargento. Enquanto isso, um jovem que estuda Direito, aos 21, 22
anos, faz uma prova, e, após um mês de adaptação, vai chefiar 30 homens que
estão há 20 anos na área, mesmo sem nenhuma experiência em segurança pública”,
critica. “Na carreira policial, a pessoa trabalha feito um doido, em uma
instituição que não favorece o estudo e não considera o tempo de experiência.
Ela se sente humilhada, pois não pode aspirar uma ascensão. E a população
ignora essa realidade.”
Sucesso de políticas de
prevenção envolve esforço coletivo
E qual seria o modelo ideal de polícia, para Luiz
Eduardo Soares? Algo como o proposto na política municipal de segurança que ele
planejou em 2001 para o então prefeito de Porto Alegre (e hoje governador)
Tarso Genro. “A idéia era de um trabalho preventivo, articulando
secretarias e polícias pra reduzir os homicídios dolosos que se concentravam na
Restinga. E, de fato, isso aconteceu durante esse período, pelo menos”, lembra
o antropólogo.
Segundo Soares, detectou-se que os chamados “meninos
problema” do bairro, na verdade, eram crianças que sofriam as consequências de
um lar desestruturado, geralmente com pai alcoólatra e histórico de violência
familiar. “É claro que uma criança nessas condições vai apresentar problemas na
escola, ser mais agressiva. O fato é que essa história tem um fim previsível”,
lamenta.
Manter uma política preventiva, no entanto, exige
uma mudança de cultura e de estrutura, como defende Soares. “Isso funciona
quando o policial atua como um gestor de segurança pública na comunidade. No
Brasil, isso acontece eventualmente, quando as circunstâncias são muito
favoráveis. Em geral, porém, são pouco duradouras. E esse é um desafio que
precisamos enfrentar.”
A postura da PM nas
manifestações
Assim como ocorre em Elite da Tropa, obra em que a
história é vista sob o ponto de vista dos policiais, Luiz Eduardo Soares faz
uma reflexão sobre a postura repressiva dos militares nos protestos de junho.
“Como muitas vezes acontece nos confrontos, a gente vê o manifestante com ódio
do policial e o policial com ódio do manifestante, quando a fonte do ódio de
ambos está distante dali”, pondera.
“Eles (policiais) se sentem revoltados com essa
situação. Então, quando lhes pedimos respeito aos direitos humanos, não
entendem do que estamos falando. Essa não é a realidade em que vivem”, observa,
ressaltando que as manifestações de junho foram positivas, apesar da tática
adotada pelos políticos e por parte da mídia para dividir os ativistas entre os
“bons” e os “vândalos”. “Alguns ‘morderam essa isca’, e isso acabou
dificultando a adesão da maioria da população”, analisa.
Voracidade pelo
encarceramento
“O Brasil é o país da impunidade”. Quando ouve essa
afirmação, Luiz Eduardo Soares responde, em tom irônico, mas crítico: “o Brasil
pune, sim, e muito. Tínhamos cerca de 140 mil presos na metade da década de
1990, e hoje chegamos a 550 mil. E quem são esses presos? Jovens negros e
pobres. Estamos enjaulando jovens negros e pobres com uma voracidade feroz”.
Para o antropólogo, criou-se uma ideia de que
encarceramento é sinônimo de produtividade policial (“se não há instrumentos
para investigar, busca-se a saída mais fácil”). Defensor da legalização das
drogas, ele atribui esse “furor encarcerador” não só ao modelo atual da
corporação, mas à mentalidade dos governos, que veem na prisão de pequenos
infratores um modo de dar uma satisfação à mídia e à classe média sem, de fato,
solucionar problema algum. “A proibição das drogas, somada ao nosso modelo
policial, constitui um núcleo de reprodução de desigualdades e do racismo no
Brasil. Não há situação em que o racismo seja mais pronunciável no País do que
na segurança pública.”
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